Biografia
O ano de nascimento de Branca Dias é estimado como sendo 1515 a partir de depoimentos dados por terceiros ao Tribunal do Santo Ofício. Ao ano aproximado de sua morte em Pernambuco é conhecido graças ao depoimento de um neto de Branca que veio a ser exilado do Brasil por prática de sodomia. Em sua inquirição ocorrida no ano de 1595, o jovem Jorge de Sousa afirma ter conhecido sua avó, Branca Dias e diz que ela teria morrido seis ou sete anos atrás, ou seja, entre 1588 e 1589[2].
Com uma existência entre história e lenda, considerada uma das heroínas do Brasil Colonial e de Pernambuco, Branca Dias foi, no Brasil do século XVI, a primeira mulher portuguesa a manter uma «esnoga» (sinagoga) em suas terras, a primeira «mestra laica de meninas» e uma das primeiras «senhoras de engenho».
Denunciada pela mãe e pela irmã e presa pela Inquisição nos Estaus, em Lisboa, Branca Dias embarca para o Brasil com sete filhos, juntando-se ao marido, Diogo Fernandes, vivendo ambos entre Camaragibe e Olinda, onde tiveram mais quatro filhos (também educou uma enteada, Briolanja Fernandes).
Com a primeira visitação do Santo Ofício ao Brasil, em finais do século XVI, filhos e netos de Branca Dias são presos sob a acusação de reconversão ao judaísmo e enviados para Lisboa, onde foram igualmente punidos em autos-de-fé.
Sua história é cheia de nuances: da infância no Minho à velhice em Olinda, a sua prisão em Lisboa, a existência perturbada no engenho de açúcar, o levantamento da casa grande de Camaragibe e da casa urbana da rua dos Palhares (ainda hoje existentes), o convívio com Duarte Coelho, primeiro capitão donatário de Pernambuco, a morte de Pedro Álvares da Madeira, comido pelos tupinambás, o candomblé dos escravos pretos, os terrores de uma nova geografia e uma nova fauna, o martírio do povo miúdo português no Novo Mundo.
Com direção de Samy Waitzberg, o curta documental Branca Dias faz um resumo biográfico da personagem através de uma entrevista com o pesquisador cearense Cândido Pinheiro Koren de Lima.[3]
No Tribunal do Santo Ofício
Conforme o livro “Familias Endogâmicas do Vale do Acaraú” de autoria de Vicente Freitas, “No processo nº 5736 do Tribunal do Santo Ofício[4], Inquisição de Lisboa, consta que Branca Dias, casada com o mercador Diogo Fernandes e filha de Antônio Afonso e Violante Dias, é cristã-nova, natural de Viana e moradora em Lisboa. Acusada de judaísmo, ela foi sentenciada, em 12 de setembro de 1543, a abjuração pública, dois anos de cárcere e hábito penitencial, ficando reservada a sua comutação e dispensa. Branca Dias apresentou uma petição ao Santo Ofício, em que pediu dispensa do tempo que lhe faltava cumprir, tendo sido a mesma concedida, talvez em razão de ter filhos pequenos para criar.
Sua mãe e a irmã Isabel Dias foram presas na mesma época. Elas eram naturais de Viana da Foz do Lima, onde moravam. No processo nº 5775, datado de 2 de abril de 1544, consta que Violante Dias foi ao auto-de-fé em Lisboa, e Isabel Dias foi sentenciada a abjuração pública, 2 anos de cárcere e hábito penitencial; reservada a comutação da penitência quando parecesse serviço de Nosso Senhor.
Após meio-século, a Inquisição voltou a processar a família de Branca Dias, depois que ela se mudou para o Brasil. No processo de nº 4580, do Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, sua filha Beatriz Fernandes, a Alcorcovada, natural de Viana de Caminha e residente em Pernambuco, foi acusada de judaísmo. Presa em Olinda a 25 de agosto de 1595, ela foi sentenciada, em 31 de janeiro de 1599, a ir ao Auto de Fé, abjuração em forma, cárcere e hábito penitencial perpétuo, penitências espirituais, além do confisco de bens. Em 3 de agosto de 1603, Brites (ou Beatriz) de Sousa e sua mãe Andresa Jorge, outra filha de Branca Dias, nascidas e residentes em Pernambuco, também foram sentenciadas, nos processos nº 4273 e 6321, respectivamente, a ir ao Auto de Fé; abjuração de veemente; cárcere a arbítrio; penitências espirituais; pagamento de custas. Nessa mesma data, Briolanja Fernandes, filha de Diogo Fernandes e Madalena Gonçalves, uma das criadas de seu pai, foi sentenciada em Auto de Fé realizado na Ribeira, em Lisboa, com as penas de ir ao Auto de Fé em corpo, com uma vela acesa na mão, onde abjure de veemente suspeita na Fé, tenha cárcere a arbítrio dos inquisidores, tenha penas e penitências espirituais, instrução na Fé e pague as custas“.[5] . Ela foi solta dos cárceres a 6 de Setembro de 1603.
Linhagem
Branca Dias e seu marido, Diogo Fernandes Santiago, deixaram vasta descendência. Alguns de seus filhos nasceram em Portugal, a exemplo de Inês Fernandes, Guiomar Fernandes, Brites Fernandes e Manoel Afonso, tendo os dois últimos nascido com deformidades físicas. Os demais filhos nasceram na capitania de Pernambuco.
Em 2015, Portugal sancionou o decreto 30-A[6], que concede naturalização portuguesa a todos aqueles capazes de demonstrar serem descendentes de judeus sefarditas. Em decorrência deste decreto, vários brasileiros foram reconhecidos como portugueses, após certificação da Comunidade Israelita de Lisboa[7][8] de que descendiam de Branca Dias.
Dentre alguns descendentes ilustres de Branca Dias, destacam-se os políticos João Felipe de Saboia Ribeiro, Ciro Gomes[9], o escritor Alexey Dodsworth[10] e a cantora Marisa Monte[11]. Em 2015, o pesquisador Cândido Pinheiro Koren de Lima, ele mesmo descendente da judia portuguesa, lançou em três volumes a obra Branca Dias (Fundação Gilberto Freyre), que detalha sua linhagem ao longo dos séculos[12].
Ainda que os ancestrais de Branca Dias constituam um mistério, há evidências de que ela teria descendido do último rabino-mor da Espanha, Abraham Senior, ou de seus irmãos, já que são eles os inauguradores do sobrenome Coronel. Conforme aponta Cândido Pinheiro Koren de Lima, Uma pista sobre a origem familiar fornece-nos a filha Andreza Jorge que nos afirma chamar-se a mãe Branca Dias Coronel (…) que remete sua origem ao último rabino-mor da Espanha, Abraham Senior (…) (Branca Dias, Tomo I, página 26 – Fundação Gilberto Freyre: 2012). Tal citação realizada por Andreza Jorge foi feita em defesa de sua mãe, por ocasião da acusação feita por Anna Lins[13].
Na ficção e na arte
A vida de Branca Dias serviu e tem servido de inspiração para romances, canções e histórias em quadrinhos. No teatro, a peça O Santo Inquérito, escrita em 1966 por Dias Gomes, recria a história da mulher perseguida pela Inquisição. Na música, há a canção “Branca Dias”[14], da cantora brasileira Nana Caymmi, assim como outra canção de mesmo nome[15], da cantora brasileira Fortuna Safdié, que em 2020 lançou um clipe que contou com a participação de Lia de Itamaracá e do historiador Cândido Pinheiro Koren de Lima[16]. No universo das histórias em quadrinhos, Branca Dias aparece como personagem na obra “Assombrações do Recife Antigo”[17], da roteirista pernambucana Roberta Cirne, assim como na HQ “A Máscara da Morte Branca”[18][19][20], do roteirista baiano e filósofo Alexey Dodsworth.
- Nota
↑ Há mais de uma Branca Dias perseguida pela Inquisição, porém a única até então documentada como parte da história colonial brasileira é a esposa de Diogo Fernandes Santiago, do Engenho de Camaragibe em Pernambuco. Há outra personagem de mesmo nome, cuja existência teria se dado na Paraíba, entre 1734–1761, embora não haja demonstrações documentais a respeito desta personagem.[21]