Uma oportunidade histórica.
Os governos de Portugal e de Espanha, por esta ordem, aprovaram nos primeiros meses do ano de 2015, leis nacionais para outorgar a cidadania europeia aos sefarditas e seus descendentes. Entende-se por tais aqueles judeus provenientes de Marrocos, Turquia, Síria, Líbano, Itália, Grécia, Egito, Tunísia, e em geral, toda a bacia mediterrânica, onde se fixaram os
seus antepassados depois das expulsões de Espanha, em 1492, e de Portugal em 1496.
A legislação de ambos os países prossegue o mesmo fim: Restituir a nacionalidade aos filhos que quem em algum momento da sua vida, após mais de 500 anos, foram cidadãos de pleno direito de Espanha e de Portugal, e que, ainda depois de 5 séculos, e apesar da expulsão, conservam vínculos religiosos, culturais e emocionais com os referidos países, mantendo os
apelidos, falando o ladino e seguindo ainda os costumes sociais, gastronómicos, estilos musicais ou tendências educativas que pretendem fomentar e conservar este tesouro histórico chamado Património Sefardita. Estas leis são, sem dúvida, uma merecida homenagem à tenacidade e à perseverança em manter este valioso legado durante mais de 25 gerações.
A lei espanhola foi publicada em 24 de junho de 2015, com pompa e circunstância, e foi a mais aplaudida e comentada, elogiada sem fim e com exagero, e, na minha opinião, sem um conhecimento das dificuldades colocadas na sua normativa. Entre outras, impõe a obrigação de fazer dois exames (de idioma, oral e escrito; e de conhecimentos culturais), o que afasta
quase um milhão de sefarditas cuja língua materna não é o espanhol; adicionalmente, obriga a viajar para Espanha para assinar o requerimento, o que é impossível para uma família do sul da américa da classe média, e estabelece um enviesado sistema para obter o certificado de sefardita, sem esquecer a dificuldade de acreditar no que a lei chama de “ligação a Espanha”, o
que não é nada fácil, nem demonstrável para a imensa maioria do público sefardita. Para além disso, e isto é paradoxal, na maior parte dos países de língua espanhola com presença de sefarditas, não existe ainda um centro para fazer os exames preceptivos. Outro handicap radica em ter que certificar perante um notário espanhol todas as provas, e atendendo a que
nem todos os notários são especialistas nesta lei inovadora, tal determina a que se tornem mais exigentes.
A lei portuguesa foi aprovada vários meses antes da espanhola, em 27 de fevereiro de 2015, e passou despercebida a todo o público. Somente quando o meu escritório, depois de um estudo superficial da norma, começou a explicá-la nas suas conferências internacionais, e a oferecê-la como solução à complexidade e dificuldade da lei espanhola, começou-se a ter em
conta como válida a opção, que rapidamente teve eco mundial. As causas: mais simplicidade e menos obstáculos; verifica-se no legislador português uma vontade diferente, um ânimo de facilitar e de não dificultar. A lei portuguesa (e isto desconhece o público), não obriga a viajar para Portugal, nem saber falar português, nem ter ascendência portuguesa, nem fazer
qualquer tipo de exames. Quer isto dizer que o interessado pode gerir o seu pedido de nacionalidade portuguesa utilizando tão-somente o seu computador e um simples scaner.
Alguns, com razão, perguntam-se qual é a conexão com Portugal. A mesma Lei n.º 30-A/2015, cita no preâmbulo (o que historicamente sabemos) que os judeus expulsos de Espanha em 1942 refugiaram-se em Portugal, pois tinham intenções de regressar depois que se acalmassem os ânimos dos reis católicos. Assim, conviveram e misturaram-se com os judeus
sefarditas portugueses, até que foram expulsos desse país pelo rei Manuel I. Por tal motivo, quase todos os sefarditas de origem “espanhola” são considerados também, para efeitos desta lei, como se tivessem uma longínqua “origem portuguesa”.
Para terminar, desejo destacar que, com independência das vantagens pessoais que cada um possa retirar destas leis (o passaporte europeu permite trabalhar nos 28 Estados-Membros da União Europeia e entrar sem visto nos Estados Unidos), constitui um facto histórico de grande valor emocional para a comunidade sefardita mundial, pelo que a reconciliação definitiva
entre os sefarditas e Espanha/Portugal significa. Um justo “peço perdão pela terrível expulsão” que, ainda que a destempo, supõe um passo de gigante nas relações entre a Europa e os judeus sefarditas. Algo que a Alemanha deveria imitar com os descendentes das vítimas do
holocausto.
Assinado: ELIAS BENDAHAN