Jayme Fucs Bar
Ontem numa noite fria de inverno em Belmonte, Portugal; ainda nas comemorações de Chanuca, fui ao lançamento do livro escrito pelo ilustre Engenheiro Sr. Luiz Sá Pessoa, “A Inquisição no Teixoso”.
Na verdade, já ouvi falar dessa Vila que fica próximo de Belmonte e da cidade de Covilhã, mas confesso que nunca ouvi falar de sua forte presença judaica na aldeia. E de imediato cheguei e comprei o livro de 419 páginas, onde apresenta um rico material pesquisado sobre os 82 processos de inquisição na região, sendo a maioria por práticas judiaizantes.
Estou sentado no auditório do Museu Judaico de Belmonte, com o livro na mão, abrindo e foliando suas paginas e, ao mesmo tempo, ouvindo as palavras do Ilustre Engenheiro, que tomou a iniciativa de fazer esse importante trabalho. De repente, paro e olho-lhe, e me pergunto, qual seria a razão verdadeira dessa iniciativa?
Será que ele escreveu esse valioso material, por saber de sua descendência judaica, ou somente uma curiosidade sobre esse tema então desconhecido na região?
Na verdade, estava prestes a fazer essa pergunta, mas não houve espaço para isso, pois diferente da cultura israelense, as formalidades pessoais desses encontros em Portugal, levam mais tempo que um possível debate aberto sobre o conteúdo do próprio livro.
Estou concentrado agora nas palavras do autor, mas meus olhos não se separam das páginas do livro e por acaso abro na página 364 e vejo o nome de uma menina; Violante Henriques, solteira de 14 anos e natural de Monsanto e moradora de Teixoso. Minha curiosidade aumenta ainda mais sobre o que discorre o livro, pois começo a imaginar mesmo antes de poder ler sua história, como seres humanos puderam se transformar em monstros ao trazer tanta crueldade e tanta intolerância e justificar seus atos em nome de Deus?
Em um tempo que os carrascos do santo ofício não tinham limites na sua crueldade e ignorância; com seu sangue-frio, podiam interrogar e tortura a quem quisesse, e se fosse o caso, até mesmo mandar queimar numa fogueira uma criança de 14 anos.
Termina o encontro e saio pelas ruas de Belmonte, fugindo do vento frio, que bate no meu rosto como se fossem pequenas navalhas, penso em chegar o mais rápido possível em casa para ficar frente à lareira e ler a incrível história desta menina.
Estou agora sentado ao calor da lareira, com o livro aberto e lendo as longas páginas sobre o processo inquisitorial de Violante Rodriques e vejo que foi emitido um mandado de prisão no dia 10 de junho de 1728, nessa época, Violante Rodriques era nada mais que uma menina, e apesar de não saber ler e escrever, era muito esperta, e com grande e impressionante sensibilidade humana, sabia que seria interrogada e torturada, e no final teria que denunciar todas as pessoas que conhecia e tinham práticas judaicas; e mais interessante dessa história, é que com sua astúcia, a jovem menina de apenas 14 anos iria criar uma sábia estratégia, de ganhar tempo em fazer suas declarações, e fez isso de forma limitada, de modo a ajudar as pessoas envolvidas a fugirem o mais breve e procurar refúgios em outros lugares; essa foi à forma de ajudar às demais pessoas escapar a tempo dos intentos diabólicos e cruéis da inquisição.
Ela relatou que foi desde seus 4 anos de idade, foi educada como judia na casa de Helena Nunes e João Rodriques, na aldeia de Teixoso, onde aprendeu a crença de seus antepassados e somente acreditar nas Leis de Moises, a rezar o Padre-Nosso sem dizer o nome de Jesus, a fazer o Jejum do Yom Kipur, bem como guardar o dia santo, o Shabat, sem profana-lo, além de conseguir vestir roupas limpas em honra ao sábado.
Violante Rodriques usava como estratégia para denunciar alguém, mas não prosseguia com outras acusações, e no final do interrogatório dizia não se lembrar de mais de ninguém. Os carrascos do santo ofício sabiam de sua estratégia e a torturava até que ela fizesse novas denúncias, mas sabiamente, ela usava a mesma estratégia, alegava não se lembrar de mais de ninguém.
Todo esse processo de torturas e denúncias provocadas duraram quase 2 anos, onde em um determinado momento frente a seu interrogatório, mas propriamente no dia 17 de novembro de 1729, Violante Rodriques estava perto de ser condenada a fogueira, assim foi descrito pelo promotor geral o crime acusatório contra a menina Violante Rodriques:
“A ré diminuta, por não ter feito inteira a verdade confissão de suas culpas, nem sequer satisfatória, considerada diminuta, simula e finge, e não declara todas as pessoas com quem se comunicou e praticou a Lei de Moises (…), que a ré seja declarada herege e apostata da nossa santa fé, e incorra em excomunhão maior e em confisco de todos seus bens, seja ela declarada por tal e relaxada a justiça secular”.
Para esclarecer o que é esse termo “justiça secular”, é importante ressaltar que nos tribunais da inquisição, isso significava que a acusada, no caso a menina Violante Rodriques estava próxima a ser executada a morte na fogueira, contudo, se ela mostrasse arrependimento e decidisse reconciliar-se com a fé católica romana, sua pena seria diferente.
A partir do dia 10 de março de 1729, a jovem foi chamada para vários depoimentos como última chance de não ser executada na fogueira, nessas supostas audiências, a menina Violante Rodriques terminou seu depoimento denunciando mais uma dezena de pessoas, que em sua grande maioria viviam em Teixoso e praticavam os costumes judaicos.
A forma de entender o nível da bestialidade humana que chegou o santo ofício foi no dia 16 de outubro de 1729, uma menina de 14 anos de nome Violante Rodriques seria levada num festival macabro “Em nome de Deus” a Igreja do convento de São Domingos em Lisboa, para ouvir sua sentença a seu “crime” de ter sido educada sob Lei de Moises, e nesse diabólico festival, estava presente o Rei Dom João V, a nobreza, o clero e os senhores inquisidores.
E nesse triste dia foi anunciado a público que a menina Violante Rodriques foi condenada a cárcere e hábito penitencial perpétuo, pena e penitências espirituais, e ainda o confisco de seus bens.
Não sabemos qual foi o paradeiro dessa corajosa menina judia, mais com ajuda desses relatos, descobrimos uma pequena heroína de 14 anos, que soube com coragem e orgulho de suas origens, suportou e enfrentou os carrascos da inquisição em honra de seu povo e sua fé.
Violante Rodriques! Que seu nome e sua memória seja lembrada e guardada no livro da vida, e mesmo diante de uma vida de perseguição e tortura, jamais deixou de acreditar na sua verdadeira crença as Leis de Moises!
Fontes: livro “A inquisição no Teixoso – Lugar do termo da Vila da Covilhã”, da autoria de Luiz Sá Pessoa