As pessoas perguntam-me isso muitas vezes aqui, nos Estados Unidos. Às vezes, alguns judeus asquenazitas americanos tendem a comparar algo “estranho” à sua cultura com algo que é bem conhecido por eles e, assim, chegam, por vezes, a estereótipos e clichêsnos quais os sefaraditas não se encaixam.
Frequentemente, ouço pessoas alegando que somos iguais – judeus asquenazitas e judeus sefaraditas – ignorando as diferenças que, realmente, fazem cada um dos grupos único. Por que é um pecado ser diferente dentro do que “parece ser” um mundo judaico monocromático? Depois de alguns malentendidos, sinto-me obrigado a esclarecer alguns dos erros mais comuns que os nossos irmãos e irmãs asquenazitas parecem fazer inconscientemente. Erros que, às vezes, incomodam-nos quando a nossa presença ativa nas comunidades judaicas é convenientemente reconhecida, quando não totalmente ignorada. Portanto, o que se segue é um tutorial muito curto e básico para judeus asquenazitas sobre nossa cultura sefaradita:
– Nossos antepassados não viveram em “shtetls”, mas nas principais cidades da Espanha, de Portugal, do Mediterrâneo e dos países do Oriente Médio. Portanto, não nos pergunte de que “shtetl” nossa família veio.
– Nossa “Adafina” e nosso “Hamin” não são as versões sefaraditas do “Tcholent”, muito pelo contrário, a adição de feijão para o cozido de Shabat começou na Espanha.
– O ladino não é a versão sefaradita do iídiche. O ladino é uma língua derivada do castelhano.
– Não fazemos “daven”. Fazemos “tefilot”.
– Não vamos à “shul”. Chamamos a nossas sinagogas de kal, esnoga ou knis.
– Comer kitniyot (grãos) em Pessah, cantar canções em ladino e ter marroquinos milagrosos notáveis não são as únicas características que possuímos. Temos uma tradição muito rica.
– Não dizemos “Gut Shabbos” ou “Gut Shabbes”. Além do genérico “Shabat Shalom”, dizemos “Boas entradas de Sabá”, em Português, “Sábado dulse i bueno” em Ladino ou “Sbit Salam” em árabe.
– Não temos Yahrzeits, temos Meldados e Ereyes.
– Pronunciamos as vogais em hebraico de maneira clara. Em vez de parsha, dizemos para-shá; em vez de sfardi, dizemos se-fa-ra-di. Em vez de Shlomo e Shmuel dizemos Shelo-mô e She-mu-el.
– O que chamam de talit, chamamos de talêt. Não dizemos Shive, Mikve ou Toire; dizemos Shivá ou Enlutados, Mikvá ou Mikwá e Torá.
– Não chamamos o rito da circuncisão de “bris”; chamamos “t’hur” em árabe ou “berit milá” ou apenas “a milá”.
– Temos uma cerimônia de nomeação dos bebês chamada “Zeved Habat” ou “fadar a las ishas” ou apenas “Las Fadas”, para apresentar nossos bebês do sexo feminino para a comunidade. Festejamos ambos os sexos recebendo a aceitação da comunidade.
– Não jogamos “dreidel” ou “sevivon” em Hanuká. Cantamos muitas canções e comemos doces de amêndoa e doces sírios e gregos, acrescentando um novo a cada dia.
Presentes imitando o Natal estão fora de questão.
– Temos o maior sábio judeu de todos os tempos: Maimônides. Ele nasceu em Córdoba, al-Andalus, e todos devem ler o seu livro “Moré Nebukhim” ou “Guia dos Perplexos”.
Alguns fatos interessantes sobre ele são que, além de um grande filósofo e Hakham, ele era um médico e que entre seus pacientes estava Saladino, mais conhecido como Saladino “O Conquistador”.
– Também temos centenas de outros sábios, muitos nascidos na Espanha e em Portugal, e também vários outros nascidos na diáspora sefaradita.
– Não usamos “yarmulkes”. Vestimos kippot e tarbuches.
– Não somos Hassidim ou Haredim (os sefaraditas que são é porque abandonaram a tradição sefaradita e adotaram estas maneiras asquenazitas de vida para si).
– Nossos Hakhamim (como chamamos nossa rabinos) nunca usaram chapéus pretos, conhecidos como fedoras e shtreimels, mas turbantes, kipot e fez. Esses rabinos sefaraditas que usam chapéus pretos nos tempos modernos foram culturalmente coagidos a adotá-los, mesmo que não reconheçam a coerção.
– Não temos os conceitos de judaísmo reformista, conservador, ortodoxo ou ultraortodoxo. Não temos essas denominações dentro da tradição sefaradita e vemo-nos como uma única nação de judeus com diferentes níveis de observância da halakhá, mesmo praticamente todas as sinagogas sefaraditas e congregações serem ortopráxis.
Há algumas pessoas que, por razões particulares, decidiram se unir a esses movimentos asquenazitas. Independentemente disso, vemos todos os motivos para que os judeus se reúnam sob um único teto para tefilot. Segregação exclusivista do povo de Israel não é do nosso feitio.
Shalom al kol Israel!
Carlos Zarur, antropólogo nascido em uma família de mizrahi-sefaradita, já viveu em vários países ao longo de sua vida (EUA, Marrocos, Índia, México, Israel, Canadá e Brasil). Possui mestrado em estudos judaicos nas áreas de: – Estudo Comparativo das
Religiões – Estudos Judaicos – Cultura Sefaradita Ocidental e Oriental, Costumes e
História – Cultura das Comunidades Judaicas Orientais (Mizrahim), costumes e história –
Comunidades Judaicas Periféricas – Estudos sobre Marranismo (Criptojudaísmo). Como
professor, lecionou na Universidade do Colorado, no Departamento de Antropologia e no
Programa de Estudos Judaicos. Atualmente, está terminando sua tese de doutorado sobre os judeus sefaraditas na Síria e no Líbano.