O Yom Kipur, o Dia do Perdão, tem uma importância central para todo o povo judeu — mas dentro do mundo sefaradi hispano-português ele assume uma coloração ainda mais profunda e singular, carregada de história, identidade e espiritualidade.
- O Dia Mais Solene do Ano
Para os judeus hispano-portugueses, descendentes de comunidades marcadas pela Inquisição, exílio e dispersão, o Kipur não é apenas o ápice do calendário litúrgico; é também um reencontro com a essência da alma judaica. O jejum, as rezas prolongadas e a confissão comunitária (Vidui) são vividos como um retorno às raízes que por séculos muitos foram forçados a ocultar.
- A Liturgia Hispano-Portuguesa
O rito hispano-português, preservado em comunidades como Amsterdã, Londres, Nova York, Parias e Rio de Janeiro, tem particularidades que reforçam a solenidade do Kipur:
O uso de melodias antigas, carregadas de emoção e transmitidas por gerações desde a Península Ibérica.
As Selichot e o Kol Nidré, que nos lembram não apenas dos votos não cumpridos, mas também dos juramentos de fidelidade forçada feitos na época da Inquisição. Esse momento é especialmente pungente para os descendentes dos dispersos, pois ecoa o clamor das almas que foram coagidas a negar publicamente sua fé.
A poesia litúrgica (piyutim), muitas vezes composta por rabinos e poetas sefaraditas, que dá ao Kipur uma beleza estética e intelectual muito própria.
- O Jejum e a Teshuvá
Para o judeu sefaradi hispano-português, o jejum de 25 horas não é apenas disciplina espiritual. É também um ato de memória coletiva: lembra-se da fome dos exílios, das privações dos que praticavam em segredo, e ao mesmo tempo é um símbolo de elevação, um desprendimento das necessidades do corpo para se reconectar com a pureza da alma.
A Teshuvá (retorno), central no Kipur, ganha força dobrada nessa tradição: é um “voltar” não apenas a D-us, mas também ao judaísmo vivido plenamente, sem medos, após séculos de perseguição.
- A Dimensão Comunitária
Na tradição hispano-portuguesa, a Esnoga não é apenas o local do Santo Serviço, mas o coração da coletividade. No Kipur, todos — homens, mulheres e crianças — se reúnem, reforçando o sentido de unidade do Kahal Kadosh. Cada indivíduo busca perdão, mas também toda a comunidade se eleva junta.
- O Significado Histórico
Para os sefarditas da diáspora ibérica, Kipur é um testemunho de sobrevivência. Durante a Inquisição, muitos não puderam observar o jejum publicamente. Alguns o faziam escondidos, correndo risco de vida. Hoje, cada Kipur celebrado em liberdade é também um ato de vitória histórica, uma reafirmação da eternidade de Israel.
E Finalmente:
Para o sefaradi hispano-português, Yom Kipur é mais que um dia de jejum e oração; é um elo entre passado e futuro, entre dor e redenção, entre a herança dos antepassados que resistiram e a esperança de um retorno pleno à luz da Torá.
Gmar Hatimah Tovah!
R. Ovadiah Rafael