O filme “Filhos da Inquisição” aborda a conversão forçada de sefaraditas da Península Ibérica há 500 anos e por que seus descendentes ainda sentem os efeitos do trauma.
Recentemente, a história teve novo desdobramento, quando mais de 100.000 descendentes de sefaraditas em todo o mundo solicitaram a cidadania espanhola com base em uma legislação destinada a reparar erros do passado e permitir a repatriação de uma população expulsa há mais de 500 anos.
O prazo dado pela Espanha terminou em 30 de setembro, mas o processo de requisição de cidadania em Portugal ainda está aberto para judeus que possam provar sua ascendência judaica sefaradita.
O edital de expulsão de 1492 da Espanha forçou os judeus sefaraditas a se converterem ao cristianismo ou a deixar o país, levando a uma dispersão para locais como as Américas e o Oriente Médio. Dentro da Espanha e de suas recém-descobertas colônias americanas, alguns judeus convertidos mantiveram sua fé original exercendo sua religião em segredo, sob o risco de serem descobertos e punidos pela Inquisição.
O fim da inscrição para a cidadania espanhola marcou um momento oportuno para a exibição em 24 de outubro no El Centro Sefarad, em Madri, de um novo documentário sobre o passado, o presente e o futuro dos sefaraditas: “Filhos da Inquisição”, do premiado cineasta Joseph Lovett.
“Este filme desafia as ideias que muitos têm sobre a história e a identidade (dos judeus sefaraditas)”, disse Lovett ao The Times of Israel.
Apresentado no início deste ano no Festival de Cinema Judaico de Seattle, o documentário aborda os muitos caminhos seguidos pelos judeus sefaraditas depois de serem expulsos da Espanha e de Portugal. Filmado em 12 cidades de quatro continentes, Lovett entrevista descendentes de convertidos ou não e especialistas acadêmicos. Em agosto, o filme ganhou o prêmio “Corações, Mentes e Almas” no Festival Internacional de Cinema de Rhode Island e foi requisitado para ser incluído na Biblioteca do Congresso dos EUA.
Perguntado sobre a questão da cidadania, Lovett lembrou a jornada dos antepassados de sua cunhada Sylvia Moubayed – da Espanha a Izmir, a Rodes, a Alexandria e, depois, ao estado natal de Lovett, em Rhode Island. Apesar dessas viagens ancestrais longe da Espanha, Lovett disse que sua cunhada havia conquistado a cidadania espanhola na década de 1960.
“Acho que isso sempre foi possível”, disse ele. “Mas, como estão as coisas, ficou muito desconfortável (a vida dos judeus) nos EUA. Obviamente, mais e mais pessoas estão buscando a cidadania europeia”.
O filme levou cerca de uma década para ser concluído. Lovett começou a pensar sobre o assunto em 1958, quando tinha 13 anos e cresceu em Providence. Ele ficou intrigado quando seu rabino, William Braude, de Temple Beth El, visitou a Espanha, sob o regime de Franco, procurando entrevistar descendentes de convertidos e, ao retornar, fez um sermão intitulado “Todos Católicos” ou “Somos todos católicos”.
“Ninguém (na Espanha) quis falar com ele”, disse Lovett. “Eles simplesmente disseram: ‘somos todos católicos, sempre fomos católicos'”.
Mesmo centenas de anos após o decreto que obrigou os judeus espanhóis a se converter ou partir, “a sombra da Inquisição pairava tão pesadamente sobre a Espanha”, disse Lovett. “Ninguém poderia ousar considerar ter uma gota de sangue judeu”.
E, no entanto, lembrou, evidências indicaram que alguns mantinham sua fé ancestral, não frequentando igrejas e recusando a presença de um padre em funerais, ou cobrindo espelhos em casa durante os períodos de luto, uma prática judaica tradicional.
Judeu ashkenazi, Lovett ficou intrigado com a história dos sefaraditas e, há mais de 20 anos, ele começou a desenvolver a ideia do filme. Enquanto isso, ele acumulava experiência trabalhando na TV, inclusive no noticiário “20/20”, onde aprimorou suas habilidades de investigação em assuntos como a crise da Aids.