Artur Carlos de Barros (nome Hebreu: Abraham Israel Ben-Rosh – Amarante, 18 de Dezembro de 1887 – Porto, 8 de Março de 1961) foi um militar de carreira, mas também um escritor e um filósofo que publicou várias obras relacionadas ao Judaísmo. Conhecido com o Apóstolo dos Marranos, atuou no retorno dos criptojudeus portugueses e no bem-estar da comunidade judaica de Portugal e refugiados do Holocausto.
O retorno
Quando ainda jovem, Barros Basto soube de seu avô em seu leito de morte, que tinha antepassados judeus. A sua família já não mantinha os preceitos judaicos e este apenas teve conhecimento da existência de judeus em Portugal em 1904 quando leu um artigo de jornal, referente à inauguração da sinagoga Shaaré Tikva, em Lisboa.
Barros Basto era um autodidata e, após aprender hebraico foi viver uns tempos no Marrocos onde iniciou formalmente um processo de conversão ao judaísmo. Concluiu seu processo em Tânger onde foi circuncidado e mais tarde submetido a um tribunal rabínico (Beit Din). Passou assim a chamar-se Abraham Israel Ben-Rosh.
Regressado a Lisboa, casou-se com Lea Israel Montero Azancot, da Comunidade Israelita de Lisboa, de quem teve um filho e uma filha. Teve também vários netos e bisnetos, a sua neta Isabel Ferreira Lopes, é a atual vice-presidente da Comunidade Israelita do Porto.
Anos mais tarde, iniciou a sua vida militar e, quando o exército o mandou frequentar um curso na Escola Politécnica de Lisboa, o jovem Barros Basto dirigiu-se à sinagoga da cidade, numa tentativa de ser ai admitido.
A obra
Em 1921, voltou para o Porto com a sua esposa. Nessa altura Barros Basto descobriu que na cidade havia apenas menos de vinte judeus asquenazim que, como não possuíam uma sinagoga não estavam organizados, se viam obrigados a se deslocar a Lisboa por motivos religiosos.
Essa dificuldade de ter que se deslocar a Lisboa, fez com que Barros Bastos começasse a pensar que a construção de uma sinagoga era a melhor solução. Tomou a iniciativa de em 1923 registar oficialmente no Governo Civil do Porto a Comunidade Israelita do Porto e o Centro Teológico Israelita. O edifício da sinagoga só começaria a ser construído anos mais tarde mas a comunidade organizou-se e arrendou uma casa na rua Elias Garcia que passou a funcionar como uma sinagoga.
À medida que o tempo ia passando, iam aparecendo cada vez mais pessoas na sinagoga, estes diziam-se descendentes dos judeus forçados a converter-se no século XV, afirmavam praticar o cripto-judaísmo, no segredo dos seus lares praticavam algumas rituais judaicos. A veracidade desses criptojudeus, foi comprovada por Barros Basto e do comitê de Londres que constataram que estes não mentiam sobre as suas origens pois provaram ainda manter as preces a D’us bem como respeitarem o dia de Shabat tal como seus antepassados.
É de referir também que na Acta N.º 68 da Direção (Maâmad) da Comunidade Israelita do Porto ficou estabelecido que seria aceito na congregação qualquer pessoa que “provasse absolutamente a sua origem judaica”.
Esta situação despertou interesse em Barros Basto que, por isso, decidiu visitar frequentemente aldeias e vilas de Trás os Montes e das Beiras à procura de mais pessoas interessadas em voltar ao Judaísmo.[4] Viajando, muitas vezes, no lombo de jumento a aldeias e freguesias aos últimos redutos criptojudeus do Norte de Portugal. Passando por Belmonte, Vila Real, Chaves, Rebordelo, Vinhais, Macedo de Cavaleiros, Mogadouro, Vilarinho, Lagoaça, Moncorvo, Cedovim, Covilhã, Fundão e Aveiro. Em 1929, a primeira Congregação formada por ex-cripto-judeus é erguida em Covilhã. Uma congregação formada por ex-criptojudeus é erguida em Covilhã. Esta medida captou a atenção de algumas pessoas, principalmente de algumas comunidades judaicas, como o caso da Comunidade de Judeus Portugueses em Londres,
Em 1926, a pedido da Anglo Jewish Association, chega a Portugal o renomado jornalista inglês Lucien Wolf, que após uma minuciosa varredura no interior de Portugal emitiu seu parecer sobre a veracidade dos remanescentes criptojudeus em Portugal.
Elaborando um relatório, o mesmo que mais tarde foi responsável pela criação da “Portuguese Marranos Committee”, à Congregação Bevis Marks Hispano-Portuguesa Esnoga em Londres, uma organização com o intuito de ajudar as pessoas que queriam a voltar ao Judaísmo. Esse comitê, foi o mesmo presidido pelo advogado inglês Paul Goodman, com a participação de nome proeminente como Cecil Roth e do próprio Lucien Wolf, então co-fundador do Jewsh Historical Society of England.
O Entusiasmo não só veio de comunidade Israelita Portuguesa na Europa, O proeminente Dr. Hakham David de Sola Pool Z”l, da Congregação Hispano-Portuguesa Shearith Israel de Nova York, em nome do American Jewsh Historical Society, esteve várias vezes em Portugal com Barros Basto, contribuindo ativamente com sua causa.
Através do Jornal Ha-Lapid, Barros Bastos motivou o retorno criptojudeus ao Judaísmo. O primeiro número foi publicado em Abril de 1927 e o último em 1958, ao todo foram publicados 156 números. Inicialmente a periodicidade era mensal, a partir de 1929 passou bimestral, sendo os últimos números publicados de semestralmente. Era o jornal da obra do resgate dos marranos Portugueses.
Clique no link abaixo para ler todas edições da Ha Lapid.
http://www.rebordelo.net/cripto-judaismo/halapid/
Todos os números têm oito páginas, contêm lições de Judaísmo normativo, tradições criptojudaicas, histórias Judaicas, história dos Judeus em Portugal, notícias das várias comunidades Portuguesas (Porto, Bragança, Lisboa, etc) e internacionais.
Em 16 de Janeiro de 1938, a mais suntuosa Sinagoga de Portugal, construída depois 441 anos do decreto Manuelino, que batizou a força milhares de Judeus, é levantada no Porto. A Catedral do Porto, a Sinagoga Kadoorie Mekor Haiim.
A queda
À medida que Barros Basto se vai tornando conhecido e o seu trabalho a favor do judaísmo vai dando frutos, começam a surgir reações antissemitas. Alguns padres protestam contra a construção da sinagoga e nas igrejas atacam Barros Basto chamando à sinagoga “Casa do Diabo”.
Em 1937, Portugal estava sob o jugo do ditador fascista do Estado Novo, Antônio Salazar. Com a mudança de regime dada nos anos 30, Barros Basto se opôs ao regime ditatorial salazarista, e não tardou até começar a ser perseguido pelo exército. Começou a ser colocado em locais cada vez mais longe do Porto, numa tentativa de afastá-lo da Sinagoga e da Comunidade. Barros Bastos foi perseguido pelos militares e foi julgado pelo Conselho Superior de Disciplina do Exército e afastado da instituição por “crime de homossexualismo” pois alegadamente presidiu uma cerimônia de brit milá (circuncisão) dos alunos do instituto teológico israelita do Porto, fato que o Conselho considerou “imoral” mas que é a prática fundamental para o povo Judeu.
Já afastado do exército, ajudou centenas judeus fugidos da Segunda Guerra Mundial a escapar à guerra e ao Holocausto, permitindo-lhes recomeçar a sua vida noutros países.
Barros de Basto criou em Portugal em 1940 uma organização para acolher os judeus em fuga do regime de Hitler. Alguns jornais católicos como “A Voz” e “As Novidades”, simpatizantes da política hitleriana acusavam Barros Basto de ser comunista e querer acabar com a paz religiosa e a moral cristã portuguesas. Acusavam-no de promover atividades revolucionárias contra o Estado ao criar uma organização para receber pessoas perigosas para a paz em Portugal. O jornal “A Voz”, chamava a atenção para “a necessidade de evitar que criassem raízes no nosso solo as ervas daninhas que Adolfo Hitler arrancara da terra alemã e que para cá se vão transplantando à mistura com outro elemento honesto que constituía uma reduzida minoria.”
Recentemente a Comunidade Israelita do Porto assinou um protocolo com o Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos com a finalidade de lhe fornecer, milhares de documentos e fichas individuais de refugiados que, com ajuda de Barros Basto puderam reconstruir as suas vidas a partir do Porto.
Foram 30 anos de trabalhos em prol do retorno dos criptojudeus ao seio da comunidade Israelita portuguesa.
A redenção
No seguimento de uma petição apresentada à Assembleia da República, pela sua neta Isabel Ferreira Lopes, a 31 de Outubro de 2011, o nome de Barros Basto foi reabilitado a 29 de Fevereiro de 2012.
No leito de morte exclamou que um dia lhe seria feita justiça, justiça esta que só haveria de chegar em 2012, mais de 50 anos após a sua morte, por intermédio de uma petição apresentada à Assembleia da República, pela sua neta Isabel Ferreira Lopes, a 31 de Outubro de 2011, o nome de Barros Basto foi reabilitado a 29 de Fevereiro de 2012. Essa petição foi aprovada por unanimidade por todos os partidos políticos que concluiu que Barros Basto, ao ser afastado do exército foi vítima de segregação político-religiosa pelo fato de ser judeu. «Barros Basto foi separado do Exército devido a um clima genérico de animosidade contra si motivado pelo fato de ser judeu» – pode ler-se no documento a que a Agência LUSA teve acesso. Por sua vez, a Resolução da Assembleia da República n.º 119/2012, de 10-08, recomendou ao governo que procedesse a uma reintegração simbólica de Barros Basto no Exército, a título póstumo, «No ano da reabilitação do fundador da Comunidade Israelita do Porto reabilitar-se-á também a sinagoga»
O legado
O legado de Barros Bastos é sólido em Portugal. Sua neta Isabel Ferreira Lopes, da Comunidade Israelita do Porto, luta para que os livros de História portugueses passem a contemplar a presença dos judeus em Portugal, tendo dirigido ao Governo um pedido de revisão de programas curriculares para o efeito.
“Informamos o senhor primeiro-ministro que desejamos que o Ministério da Educação proceda à revisão dos programas e das metas curriculares do 5.º ano e seguintes para que os manuais de História passem a contemplar a presença dos judeus em Portugal, que é anterior à fundação da nacionalidade e relevante na construção do país; […] São referidas as primitivas comunidades recoletoras, as comunidades agropastoris, os celtas, os iberos, os povos comerciantes (fenícios, gregos, cartagineses), os romanos, os visigodos, os muçulmanos, enfim… todos menos os judeus, […] no contexto dos benefícios da presença islâmica na Península Ibérica, procede-se a uma citação de Maimônides, como se o mesmo fosse muçulmano, quando na realidade foi um dos mais reputados vultos do judaísmo medieval”. A comunidade do Porto recorda também o reinado de D. Manuel e destaca que no manual escolar em causa não há “qualquer referência ao Édito de Expulsão de 1496, uma das decisões mais importantes da História de Portugal e do mundo”. explicou Isabel Ferreira Lopes.
A figura de Barros Bastos e sua luta pelo retorno dos bnei anussim também inspira vários criptojudeus brasileiros que lutam para resgatar suas origens. No 1º Encontro Brasileiro sobre Cripto-Judaísmo que se realizou no Rio de Janeiro nos dias 4 e 5 de Dezembro de 2011 na ASA, houve a palestra intitulada: Judaísmo e Cripto-Judaísmo em Portugal ontem e hoje. Ministrada pelo Dr. David Albagli Gorodicht que é um profundo conhecedor do assunto e esteve inúmeras vezes em Portugal e na Espanha estudando e conhecendo comunidades criptojudaicas ibéricas. Nesta palestra, foi contada a história de Barros Bastos e sua atuação em favor das comunidades criptojudaicas de Portugal, com foco na atual situação comunidade de Belmonte. Barros Bastos serviu de inspiração para vários espectadores bnei anussim que estavam presentes naquele encontro.
Fonte:
- Mea, Elvira de Azevedo e Steinhardt, Inácio – Ben-Rosh. Biografia do Capitão Barros Basto, Lisboa: Afrontamento, 1997.
- Schwarz, Samuel. – Os cristãos-novos em Portugal no século XX. Lisboa: Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões, Universidade Nova de Lisboa, 1993.
- Vídeo online sobre sinagoga do Porto
André Ranulfo é fundador e o primeiro presidente da Congregação Judaica Shaarei Shalom – Rio de Janeiro – RJ, e membro da Congregação Judaica P’Nei Or de Petrópolis – RJ. Faz parte na articulação sionista carioca e membro atuante da ASBI – Associação Sionista Brasil Israel.